quinta-feira, 19 de abril de 2012

É Isto um Homem?


            Hoje estivemos em Auschwitz e Birkenau. Fomos testemunhas oculares do processo de desumanização imposto metodicamente pelos nazistas. Chegavam ao campo e passavam por um processo de seleção – alguns eram condenados à morte, enquanto outros eram agraciados com uma provisória e frágil extensão da vida. Para os nazistas não era muito importante quem viveria: somente os números, as quantidades – o soldado já fazia questão de demonstrar sua indiferença para o homem sem rosto que desembarcava.

            Aqueles que eram condenados a viver, passavam por um burocrático sistema, projetado para remover toda a humanidade dos que chegavam. Seus objetos pessoais, trazidos ingenuamente, na esperança de que poderiam comprar-lhe alguma vantagem, lhes eram tomados. Os de valor eram separados pelos nazistas. As fotos trazidas eram desprezadas e descartadas - suas memórias não tinham qualquer valor. Muitas vezes, tratava-se da última lembrança de um filho, de uma mãe, de uma esposa. Quem chegava era despojado de toda sua identidade individual.

            Até mesmo o mais miserável mendigo, apesar do opróbrio, pode possuir um lenço, um livro, alguma sucata ou um guarda-chuva de segunda mão. Tudo isso era negado ao judeu. O único objeto que lhe era permitido possuir no campo: uma fina fatia de pão velho – apenas durante os cinco minutos em que esta ainda não havia sido vorazmente devorada. Todos nós temos objetos – que nos trazem recordações e refletem nossa personalidade – isso por que somos humanos.

            O judeu então recebia um número e perdia seu nome. Todo homem tem um nome. Até mesmo animais de estimação, já que nos são queridos merecem ter um nome. Os animais domésticos são únicos, tem valor e por isso lhes damos nomes. Um nome que expressa quem somos. No campo não havia mais Moshe, Shmil, Sara ou Rebeca – passariam a ser tratados por números.

            Seus cabelos então eram removidos. Os pelos de todo o corpo. Até mesmo um penteado, uma maneira de demonstrar sua individualidade, lhes era negado. Eram então vestidos com trapos esfarrapados, incapazes de proteger contra o frio, roupas que fariam um espantalho parecer elegante.

            Dali saíam como zumbis. Se dissessem algo aos nazistas não seriam ouvidos. Se os ouvissem, não os perceberiam nem dariam qualquer atenção. Apenas um corpo magro com olhar vazio, lutando para manter viva na memória sua verdadeira identidade, seu nome, sua família.

            Lemos, entre os barracões, um poema de Primo Levi, sobrevivente deste mesmo campo. Transcrevo abaixo suas palavras:

É isto um Homem?  

Vocês que vivem seguros
Em suas cálidas casas,
Vocês que, voltando à noite,
Encontram comida quente e rostos amigos,

                        Pensem bem se isto é um homem:
                        Que trabalha no meio do barro,
Que não conhece paz,
Que luta por um pedaço de pão,
Que morre por um sim ou por um não.

Pensem bem se isto é uma mulher:
Sem cabelos e sem nome,
Sem mais força para lembrar,
Vazios os olhos, frio o ventre,
Como um sapo no inverno.

Pensem que isto aconteceu:
Eu lhes mando estas palavras.
Gravem-na em seus corações,
Estando em casa, andando na rua,
Ao deitar, ao levantar;
Repitam-nas a seus filhos.

Um comentário:

  1. Aninha,
    filha querida,
    que bom saber que através de ti estamos concretizando a ideia de Primo Levi de manter viva a memória e transmití-la aos nossos filhos.
    Que possamos sempre em nossa casa ter a felicidade de estarmos juntos, unidos e com perspectivas num futuro. Poder olhar para frente é uma grande lição!
    Bjs, Márcia

    ResponderExcluir